SOUNDABILITY: pessoal e transmissível.

Esta edição, num formato digital/físico aparentemente obsoleto, mas perene, pretende oferecer à audição, curiosa ou perplexa, um conjunto de composições de música eletroacústica dos meus últimos 20 anos de atividade.

A quem esteja a ler estas palavras, por curiosidade ou por qualquer outra razão, essa pessoa pertencerá a um nicho dos nichos, parte de uma audiência especializada, restrita, ínfima, mas existente. Muitas vezes são compositores a escutarem criações de outros compositores, num ambiente cultural algo autofágico.

Isto levou-me, nos últimos anos, a questionar a relevância desta prática composicional. Uma cultura musical é composta por criadores e por auditores e podemos afirmar que tal cultura é tão mais viva quanto estes últimos não se confundem com os primeiros. No entanto, ao compilar e preparar as faixas que constituem o presente CD duplo, tal levou-me a revisitar composições com mais de 15 anos de existência. Uma nova escuta que me surpreendeu pela positiva.

Dizem que as nossas memórias ou pelo menos aquelas que mais facilmente conseguimos objetivar são principalmente visuais. É verdade que todas as memórias são reconstruções, mas tal parece ser mais fácil na modalidade da visão. Digo isto porque, na minha experiência e que parece ser confirmada por outros relatos, eu tenho uma sensação qualitativamente diferente ao examinar uma fotografia de um determinado lugar ou escutar uma gravação sonora ambiental feita no mesmo lugar em paralelo (sim, eu costumava fazer gravações sonoras das paisagens acústicas de lugares de viagem).

Enquanto olhar a fotografia me dava uma sensação do imediato, a escuta da gravação (sem suporte visual e este é um ponto importante) surpreendia-me sempre. Escutava imensos novos detalhes, eventos sonoros que eu não me lembrava de ouvir quando da gravação.

Por outro lado, e sendo uma espécie de narrativa no tempo, essa escuta permitia uma imersão muito abrangente no espaço das memórias, revivendo emoções, antecipando ações, dando uma sensação quase táctil do ambiente original...admito que talvez a minha modalidade de visão não esteja suficientemente trabalhada e que em obras pictóricas profundamente compostas (e não simples fotografias de turismo) podemos encontrar esta imersão narrativa deliberadamente criada.

Mas fica aqui esta ideia: a música é composta pela escuta e para a escuta. Compor é fazer escolhas audíveis mesmo nos casos em que, aparentemente, não há nada deliberado para ouvir. E a música eletroacústica foi descrita, em tempos, como “cinema para o ouvido”…….