Foram encomendadas pela Miso Music Portugal três peças no contexto da exposição “A Guerra Guardada – Fotografias de Soldados Portugueses em Angola, Guiné e Moçambique (1961-1974)”, a Daniel Schvetz, a Diogo Alvim e a Pedro Lima. Como inspiração para a criação destas novas obras musicais, serviu o núcleo expositivo «fotos faladas» – com três fotografias de ex-combatentes acompanhadas de clipes áudio, com as histórias por trás das imagens contadas pelos envolvidos. As obras são:

Daniel Schvetz · “Flash & Flesh” (2023) [peça inspirada na «foto falada» “Contrato firmado”]

Diogo Alvim · “Jogo Duplo” (2023) [peça inspirada na «foto falada» “Encontro de fim de guerra”]

Pedro Lima · “Como se fosse um filho” (2023) [peça inspirada na «foto falada» homónima]

Aos três compositores foi lançado o desafio de compor três peças para o Sond’Ar-te Trio (Elsa Silva, piano; Vítor Vieira, violino; Filipe Quaresma, violoncelo), com ou sem electrónica, desconstruindo os relatos dos ex-soldados, compondo uma nova camada sonora/ musical – um contraponto às gravações e às histórias contadas pelos ex-soldados; para criar novos sentidos e levar estas memórias a um outro nível semântico e emocional.

Com estreia no encerramento do Festival Música Viva 2023, no passado dia 13 de Maio no O’cutlo da Ajuda em Lisboa, estas novas obras constituem certamente um contributo precioso no contexto de um diálogo criativo e artístico com os legados e reverberações contemporâneas do passado recente de Portugal.

A Guerra Guardada

Fotografias de Soldados Portugueses em Angola, Guiné e Moçambique (1961-74)

Curadoras 

Maria José Lobo Antunes e Inês Ponte 

Durante os anos da guerra, milhares de jovens recrutados para Angola, Guiné-Bissau e Moçambique tiraram fotografias daquilo que os rodeava: os camaradas, os quartéis, as paisagens, o quotidiano, as populações civis, o aparato militar. Estas imagens escaparam à censura do regime, e foram guardadas ou enviadas pelo correio como provas de vida à distância. 

Alguns destes homens construíram laboratórios improvisados, outros acederam a laboratórios oficiais. Vários frequentaram lojas de fotografia que floresceram com a procura gerada pela guerra, muitos compraram e trocaram imagens. Assim construíram os arquivos fotográficos de que agora mostramos partes. 

Cinquenta anos após o início do conflito, algumas coleções de antigos soldados foram destruídas, como se o passado se pudesse apagar nesse gesto. Outras, com o desaparecimento dos seus donos, ficaram órfãs. Muitas sobrevivem ainda, conservadas em álbuns ou em caixas, analógicas ou digitalizadas, e são mostradas em círculos restritos ou partilhadas nas redes sociais. 

A Guerra Guardada explora coleções pessoais de homens que em tempos foram soldados. A maioria foi recolhida através de entrevistas presenciais no quadro de uma investigação etnográfica em curso no ICS-ULisboa. As restantes estão publicadas em diversos sítios e arquivos da internet. Dispersas um pouco por todo o país, retratam um tempo e um espaço distantes, e mostram uma guerra vivida mas também imaginada. Banais ou extraordinárias, revelam os muitos mundos de uma guerra longa e anacrónica que foi mandada combater pela ditadura. Que possam provocar diálogos em democracia.